PLP 108/2024 e o ITCMD: o desafio de definir o “valor de mercado”
Por Fabio V. Ferraz Grasselli
O Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, destinado à regulamentação de aspectos fundamentais da reforma tributária, tem sido objeto de discussões relevantes.
Entre as diversas mudanças, uma das mais relevantes é a previsão de que o ITCMD (“Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações”) passe a incidir sobre o valor de mercado dos bens transmitidos.
A medida busca aproximar a tributação da realidade econômica, mas a proposta ainda carece de parâmetros objetivos sobre como apurar esse valor, especialmente em bens de difícil mensuração, como imóveis e participações societárias.
Imóveis: possibilidade de tributação acima do valor real
O PLP permite que os Estados utilizem plantas de valores de referência para determinar o valor de mercado de imóveis.
Apesar da proposta de padronização, observa-se na prática que essas plantas frequentemente apresentam divergências em relação aos preços praticados no mercado, especialmente em áreas rurais ou com variações significativas nos valores.
A ausência de critérios técnicos bem definidos — como parâmetros para localização, padrão construtivo e liquidez — pode resultar na tributação do contribuinte com base em valores estimados, o que potencializa a possibilidade de questionamentos administrativos e judiciais.
Participações societárias: o ITCMD e sua relação com o valuation
No caso de transmissões de quotas ou ações de empresas fechadas, o PLP 108/2024 estabelece que o cálculo do ITCMD deve utilizar metodologia tecnicamente adequada, considerando o patrimônio líquido ajustado e o fundo de comércio (“goodwill”).
A inovação aproxima o imposto das práticas de valuation presentes em fusões e aquisições. No entanto, essa metodologia apresenta um elevado grau de subjetividade, uma vez que projeções de fluxo de caixa, múltiplos de mercado e taxas de desconto podem resultar em estimativas significativamente divergentes.
A ausência de um padrão nacional pode levar a interpretações divergentes entre contribuintes e fiscos estaduais, potencializando autuações e litígios sobre o que de fato representa o “valor de mercado”.
Os principais pontos de atenção são:
- falta de uniformidade entre os Estados, que poderão adotar metodologias diferentes;
- risco de aumento da carga tributária em virtude de valores de mercado superestimados;
- necessidade de capacitação técnica dos fiscos para avaliar laudos de mercado;
- provável crescimento da litigiosidade tributária, especialmente envolvendo participações societárias e bens intangíveis.
Apesar das críticas pertinentes às alterações, a medida promove avanços na transparência e na profissionalização da gestão patrimonial, desde que acompanhada por segurança jurídica e critérios técnicos sólidos.
Embora a regulamentação ainda não estabeleça parâmetros específicos, é recomendável adotar desde já uma abordagem proativa e preventiva por meio das seguintes ações:
- elaboração de laudos técnicos para avaliação dos principais ativos;
- revisão de estruturas societárias e holdings familiares;
- formalização de justificativas econômicas em processos de reorganização e doação;
- análise da oportunidade de antecipação de transmissões conforme as normas vigentes;
- manutenção de documentação comprobatória que demonstre a razoabilidade dos valores declarados.
Tais iniciativas contribuem significativamente para o fortalecimento da segurança jurídica e minimizam a probabilidade de questionamentos futuros.
Conclusão
O PLP 108/2024 constitui um avanço importante na busca por um sistema tributário atualizado e alinhado à dinâmica econômica atual. Contudo, sua efetividade está condicionada ao estabelecimento de critérios técnicos precisos e padronizados pelos Estados.
Neste contexto, o planejamento torna-se fundamental. A organização, documentação e revisão constante das estratégias patrimoniais representam medidas essenciais para mitigar riscos de litígio e assegurar maior previsibilidade fiscal.
Fabio V. Ferraz Grasselli – Sócio
A equipe tributária do Grasselli Advogados monitora atentamente a tramitação do projeto e permanece disponível para prestar esclarecimentos, analisar planejamentos sucessórios e orientar contribuintes acerca dos potenciais impactos decorrentes das novas regras.