As penalidades geradas pela demora no cumprimento de ordem judicial – conhecidas como astreintes – aplicadas no curso do processo trabalhista não possuem a mesma natureza prioritária dada à classe dos créditos trabalhistas, já que não se confundem com as verbas discutidas na ação. Assim, as astreintes (multa diária aplicada pela Justiça) devem ser qualificadas como créditos quirografários – ou seja, sem preferência legal – para efeito de definição da ordem dos créditos nos processos de recuperação judicial.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia determinado a inclusão de multa superior a R$ 2 milhões – aplicada em processo na Justiça do Trabalho – como crédito privilegiado, por entender que sua natureza seria indenizatória e, portanto, deveria ser considerada de origem trabalhista.
“O crédito trabalhista tem como substrato e fato gerador o desempenho da atividade laboral pelo trabalhador, no bojo da relação empregatícia, destinado a propiciar a sua subsistência, do que emerge seu caráter alimentar. As astreintes fixadas no âmbito de uma reclamação trabalhista (concebidas como sanção pecuniária de natureza processual) não possuem origem, nem sequer indireta, no desempenho da atividade laboral do trabalhador”, afirmou o relator do recurso da empresa em recuperação, ministro Marco Aurélio Bellizze.
O magistrado lembrou que as astreintes têm o propósito específico de coagir a parte a cumprir determinada obrigação imposta pelo magistrado, gerando o temor de que possa sofrer sanção pecuniária decorrente do eventual descumprimento da ordem – conceito que, segundo o relator, define o caráter coercitivo e intimidatório da medida.
“Na hipótese de a técnica executiva em comento mostrar-se inócua, incapaz de superar a renitência do devedor em cumprir com a obrigação judicial, a multa assume claro viés sancionatório. Trata-se, nesse caso, de penalidade processual imposta à parte, sem nenhuma finalidade ressarcitória pelos prejuízos eventualmente percebidos pela parte adversa em razão do descumprimento da determinação judicial”, apontou o ministro.
Naturezas distintas
Para Bellizze, se houvesse correspondência de propósitos entre a reparação pelos prejuízos advindos do não cumprimento de tutela judicial e a fixação de astreintes, não seria possível admitir a coexistência de ambas, sob pena da caracterização de bis in idem. Entretanto, em razão da diferença entre elas – ressaltou –, o artigo 500 do Código de Processo Civil autoriza expressamente a cumulação, ao dispor que a indenização por perdas e danos ocorrerá sem prejuízo da multa diária fixada para compelir o réu ao cumprimento da obrigação.
Além da impossibilidade de reconhecer função indenizatória nas astreintes, o ministro enfatizou que, ao contrário do entendimento do TJSP, seria indevido dar interpretação muito ampla à noção de crédito trabalhista, para que nele fosse incluído crédito sem nenhum conteúdo alimentar – o que, em sua origem, é a justificativa do privilégio legal dado às retribuições trabalhistas de origem remuneratória e indenizatória.
“As retribuições de natureza indenizatória, que compõem o crédito trabalhista, decorrem da exposição do trabalhador a uma situação de risco ou de dano, no exercício de sua atividade laboral, definidas em lei, acordos coletivos ou no próprio contrato de trabalho. A multa processual em comento, sob qualquer aspecto, não se insere em tal circunstância, a toda evidência”, afirmou Bellizze.
Ao dar provimento ao recurso da empresa, o relator ainda destacou que a interpretação alargada do conceito de crédito trabalhista, a pretexto de beneficiar o trabalhador, promove indevido desequilíbrio no processo concursal de credores, especialmente nas classes trabalhistas, em clara violação ao princípio que prevê a igualdade de tratamento entre os credores da mesma classe (par conditio creditorum).
Fonte: Superior Tribunal de Justiça